Óleo de fígado? Ok. Pingado? Jamais 02:01

Foram poucos os traumas alimentares da infância. E quase todos superados, a ponto de hoje ter desejo de comer fígado de boi e não imaginar a vida sem o ardido do agrião e da rúcula. Até o traumático (e inútil) óleo de fígado de bacalhau, enfiado goela abaixo com lágrima e tudo, eu seria capaz de encarar.

Mas não tente me convencer a tomar café com leite. Fico nauseada só de "pensar" no cheiro. Sei que é estapafúrdio, porque adoro café - e o aroma de leite fervendo é dos melhores que podem sair de uma cozinha. A mistura dos dois cheiros haveria de ser perfeita, tenho consciência.

O fato é que trauma é trauma. E o estômago revira só de lembrar daquele odioso ritual matinal dos tempos de criança, quando o dia obrigatoriamente começava com café com leite. Sem espaço para argumentações ou concessões.

Cansada de me ver fitar o copo, na esperança de que ele esvaziasse sozinho, e enrolar para comer o pão, minha mãe teve a brilhante ideia de condensar dois sofrimentos num só. E a tortura matinal virou "papinha de pão com café e leite". Tudo sempre pode piorar, aprendi logo cedo. Resisti o quanto pude, é claro. Mas mãe é um bicho insistente - e a minha não amoleceu nem com o chororô.

Hoje, quando vejo alguém virar um pingado com gosto, como se fosse a mais deliciosa das bebidas, sinto uma inveja profunda. Queria sentir esse prazer. Mas nem tente me convencer a tomar pingado. Trauma é trauma.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,oleo-de-figado-ok-pingado-jamais,557438,0.htm